segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Teísmo, Ateísmo e Racionalidade - Alvin Plantinga


Tradução: Vitor Grando

Objeções ateológicas à crença de que há uma pessoa como Deus existem em muitas variedades. Existem, por exemplo, as objeções, que já nos são familiares, de que o teísmo é de alguma forma incoerente, que é inconsistente com a existência do mal, que é uma hipótese pouco corroborada ou até refutada pelas evidências, que a ciência moderna, de alguma forma, lançou dúvidas sobre essa crença, e por aí vai. Outro tipo de objetor alega, não que o teísmo é incoerente ou falso ou provavelmente falso (até por que, há pouco há ser dito sobre isso de forma irrefutável com argumentos) mas que, de alguma forma, não é razoável ou é irracional, mesmo se tal crença for verdadeira. Aqui nós temos, como peça central, a objeção evidencialista à crença teísta. A alegação é que nenhum dos argumentos teístas - dedutivos, indutivos ou abdutivos - são bem sucedidos; assim há no máximo evidências insuficientes para a existência de Deus. Mas então a crença de que há tal pessoa como Deus é, de alguma forma, intelectualmente imprópria - tola ou irracional. Uma pessoa que acredita sem evidências que existe um número par de patos estaria crendo de maneira tola ou irracional.; o mesmo vale para a pessoa que acredita em Deus sem evidências. Nessa visão, alguém que aceita a crença em Deus, mas não tem nenhuma evidência para tal crença não está, intelectualmente falando, apto para o debate. Entre aqueles que apresentaram essa objeção estão Antony Flew, Brand Blanshard e Michael Scriven. Talvez mais importante seja a enorme tradição oral: encontra-se essa objeção ao teísmo espalhada por todos os grandes campi universitários do mundo. A objeção em questão também foi endossada por Bertrand Russell, que uma vez após ser perguntado o que diria se, após a morte, ele se deparasse com Deus e este o perguntasse por que ele não acreditou. Russell respondeu “Eu diria, não há evidências suficientes, Deus! Não há evidências suficientes!” Eu não sei como essa resposta seria recebida; mas meu ponto é somente que Russell, como muitos outros, endossaram a objeção evidencialista à crença teísta.

Agora, qual é, exatamente, a alegação do objetor aqui? Ele afirma que o teísta sem evidências é irracional ou não é razoável. qual é a propriedade com a qual ele está creditando tal teísta quando ele assim o descreve? O que, exatamente, ou aproximadamente, ele quer dizer quando diz que o teísta sem evidências é irracional? Qual é, na visão dele, o problema com tal teísta? A objeção pode ser vista tomando pelo menos duas formas; e há pelo menos dois sentidos ou concepções correspondentes de racionalidade envolvidas. De acordo com a primeira, o teísta que não tem evidências violou um dever intelectual ou cognitivo de algum tipo. Ele contrariou uma obrigação colocada sobre ele pela sociedade ou talvez pela sua própria natureza como criatura capaz de compreender proposições e ter crenças. Há uma obrigação ou algo como uma obrigação para proporcionar à crença de alguém a força da evidência. Assim, de acordo com John Locke, a marca de uma pessoa racional é “não aceitar uma proposição com mais segurança do que a prova sobre a qual ela está apoiada pode garantir,” e de acordo com David Hume, “Um homem sábio conforma suas crenças às evidências.”

No século dezenove nós temos W.K. Clifford, o “adorável enfant terrible” como William James o chamou, insistindo que é monstruoso, imoral, e talvez até indelicado aceitar uma crença para a qual você tem insuficientes evidências:

Qualquer um que merecer o bem de seu companheiro neste assunto irá guardar a pureza de suas crenças com um fanatismo de zeloso cuidado, para que não se apóiem, a qualquer momento, em um objeto indigno, e peguem uma mancha que não poderá ser limpada nunca. [1]

Ele acrescenta que se uma

Crença foi aceita sobre evidências insuficientes, o prazer é roubado. Não apenas isso nos engana nos dando um sentimento de poder que na verdade nós não temos, mas é pecaminoso, roubando em rebeldia nosso dever para com a raça humana. Esse dever é de guardar nós mesmos de tais crenças como de uma pestilência, que pode rapidamente se espalhar pelos nossos corpos e pelo resto da cidade [2]

E finalmente:

Somando tudo: é sempre errado, a todo lugar, para qualquer um acreditar em algo com insuficientes evidências[3]

(Não é difícil detectar, nessas citações, o “tom de robusta simpatia” com a qual James credita à Clifford.) Nessa visão os teístas sem evidências - minha falecida avó, por exemplo - estão desobedecendo seus deveres epistêmicos e merecem nossa desaprovação. Madre Teresa, por exemplo, se ela não teve argumentos para sua crença em Deus, então ela é algum tipo de libertina intelectual - alguém que contrariou suas obrigações intelectuais e merece desaprovação ou até ação displinadora.

Agora a idéia de que existem deveres ou obrigações intelectuais é complicada, mas não implausível, e eu não quero questionar isso aqui. É menos plausível, entretanto, sugerir que eu estaria ou poderia estar contrariando meus deveres intelectuais em acreditar, sem evidência, que há tal pessoa como Deus. Primeiro, minhas crenças não estão, na sua maior parte, sob o meu controle. Se, por exemplo, você me oferece $1.000.000 para deixar de acreditar que Marte é menor do que Vênus, não há nenhuma forma de que isso aconteça. Mas o mesmo vale para minha crença em Deus: mesmo se eu quisesse, eu não poderia - sem medidas heróicas como drogas que induzem ao coma - simplesmente abandonar tal crença. (Não há nada que eu possa fazer diretamente; talvez haja algum tipo de regime que se seguido religiosamente resulte, a longo prazo, no abandono da minha crença em Deus). Mas, segundo, não parece haver nenhuma razão para pensar que eu tenho tal obrigação. Claramente eu não estou sob obrigação de ter evidências para tudo que eu creio; isso seria impossível. Mas porque, então, supor que eu tenho uma obrigação de aceitar minha crença em Deus somente se eu aceitar outras proposições que sirvam de evidências para isso? Isso de maneira alguma é auto-evidente ou simplesmente óbvio, e é extremamente difícil encontrar um argumento persuasivo para isso.

Em qualquer evento, eu penso que o objetor evidencialista pode seguir uma linha mais promissora. Ele pode afirmar, não que o teísta sem evidência violou algum dever epistêmico - afinal, talvez ele não possa ajudar a si mesmo - mas que ele é de alguma forma intelectualmente falho ou desfigurado. Considere alguém que crê que Vênus é menor do que Mercúrio - não porque ele tem evidência, mas porque ele leu numa revista em quadrinhos e sempre acredita em tudo que lê em revistas em quadrinhos - ou considere alguém que afirma uma crença sobre as bases de um argumento totalmente ruim. Talvez não haja nenhuma obrigação que ele tenha falhado em cumprir; todavia sua condição intelectual é defeituosa de alguma forma. Ele apresenta algum tipo de deficiência, falha, uma disfunção intelectual de algum tipo. Talvez ele é como alguém que tem astigmatismo, ou é excessivamente desajeitado, ou sofre de artrite. E talvez a objeção do evidenciaista deve ser construída, não como a alegação de que o teísta sem evidências violou alguma obrigação intelectual, mas que ele sofre de algum tipo de deficiência intelectual. O teísta sem evidência, poderíamos dizer, é um manco intelectual.

Alternativamente, mas similarmente, a idéia pode ser que o teísta sem evidência está sob algum tipo de ilusão, um tipo de ilusão difundida que aflige a maior parte da raça humana a maior parte do tempo até então. Dessa forma Freud via a crença religiosa como “ilusões, satisfação dos mais antigos, fortes, e insistentes desejos da raça humana.”[4] Ele vê a crença teísta como uma questão de satisfação de desejo. Os homens estão paralisados e aterrorizados pelo espetáculo das imponentes e impessoais forças que controlam nosso destino, mas não se dão conta disso, não compreendem a nós e nossos desejos e necessidades; eles, portanto, inventam um pai celeste de proporções cósmicas, que excede nosso pai terreno em bondade e amor como também em poder. A religião, diz Freud, é “a neurose obsessiva universal da humanidade”, e está destinada a desaparecer quando os seres humanos encararem a realidade como ela é, resistindo à tendência de editá-la para comportar nossos anseios.

Um sentimento similar é apresentado por Karl Marx:

Religião… é a auto-consciência e o auto-sentimento do homem que ou ainda não se encontrou, ou (após ter se encontrado) se perdeu novamente. Mas o homem não é um ser abstrato… O Homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Esse Estado, essa sociedade, produzem religião, produzem uma consciência mundial pervertida, porque eles são um mundo pervertido… A religião é o suspiro da criatura oprimida, os sentimentos de um mundo sem coração, assim como é o espírito de condições não espirituais. É o ópio do povo.
A abolição da religião como felicidade ilusória do povo é necessária para sua felicidade real. A necessidade de abrir mão das ilusões sobre sua condição é a necessidade de abrir mão de uma condição que precisa de ilusões [5]


Observe que Marx fala de uma consciência mundial pervertida produzida por um mundo pervertido. Essa é uma perversão de uma condição natural, direita ou correta, trazida à tona por uma ordem social pervertida e doente. Do ponto de vista de Marx e Freud, o teísta está sujeito à um tipo de disfunção cognitiva, uma certa falta de saúde cognitiva e emocional. Poderíamos colocar dessa forma: o teísta acredita como acredita somente devido ao poder dessa ilusão, dessa condição neurótica pervertida. Ele é insano, no sentido etimológico do termo: ele não é saudável. Seu equipamento cognitivo, pode-se dizer, não funciona apropriadamente; não funciona como deveria. Se seu equipamento cognitivo estivesse funcionando apropriadamente, funcionando da forma que deveria funcionar, ele não deveria estar sob o encanto de tal ilusão. Ao invés, ele encararia o mundo com a noção de que estamos sozinhos aqui, e que qualquer conforto e ajuda que ele tiver deve partir de nós mesmos. Não há nenhum Pai no céu para nos confortar, e nenhuma perspectiva de nada, depois da morte, apenas dissolução. (”Quando morremos, apodrecemos”, diz Michael Scriven, em uma de suas falas memoráveis.)

Agora é claro que o teísta não mostrará muito entusiasmo com a idéia de que sofre de uma deficiência cognitiva, está sob algum tipo de ilusão coletiva endêmica à condição humana. É no máximo um ou dois teólogos liberais, interessados em novidades e ansiosos em se abrir tanto quanto possível ao secularismo contemporâneo, que abraçariam tal idéia. O teísta não se vê sofrendo de uma deficiência cognitiva. De fato, ele pode estar propenso a ver a coisa de maneira inversa; ele pode estar propenso a ver o ateu como quem está sofrendo de alguma ilusão, de algum defeito noético, de uma condição não natural, infeliz e desgraçada com consequências noéticas deploráveis. Ele verá o ateu como, de alguma forma, vitíma do pecado desse mundo - seu próprio pecado ou o pecado dos outros. De acordo com o livro de Romanos, a descrença é resultado do pecado; ela se origina num esforço de “suprimir a verdade em injustiça”. De acordo com João Calvino, Deus nos criou com uma tendência a ver Sua mão no mundo ao nosso redor; “um sentimento de divindade”, ele diz, “está escrito no coração de todos”. Ele continua:

De fato, a perversidade do ímpio, que embora se debata furiosamente não consegue se livrar do temor de Deus, é testemunho abundante de sua convicção de que há um Deus, essa convicção é inata a todos e fixada profundamente em nós, como se estivesse na nossa essência… Disso nós concluímos que isso não é uma doutrina que deve ser primeiro aprendida no colégio, mas uma que cada um de nós traz desde o ventre materno e que a natureza não permite com que esqueçamos. [6]


Se não fosse pela existência do pecado no mundo, diz Calvino, os seres humanos acreditariam em Deus todos da mesma forma e com a mesma espontaneidade natural demonstrada na nossa crença na existência de outras pessoas, ou de um mundo externo, ou do passado. Essa é a condição natural do homem; é devido a nossa presente condição pecaminosa não natural que muitos de nós achamos a crença em Deus difícil ou absurda. O fato é, Calvino acredita, que alguém que não crê em Deus está numa posição epistemicamente defeituosa - como alguém que não acredita que sua esposa existe, ou pensa que ela é um robô construído que não tem pensamentos, sentimentos, ou consciência. Assim o crente reverte Freud e Marx, alegando que o que eles vêm como doença na verdade é saúde e o que eles vêm como saúde na verdade é doença.

Obviamente, a disputa aqui é ultimamente ontológica, ou teológica, ou metafísica; aqui vemos as raízes religiosas e ontológicas de discussões epistemológicas sobre a realidade. O que você crê ser racional depende de sua posição metafísica e religiosa. Depende de sua antropologia filosófica. Sua visão sobre que tipo de criatura é um ser humano vai determinar, no todo ou em parte, suas visões sobre o que é racional ou irracional para os seres humanos crerem; essa visão vai determinar o que você acha ser natural ou normal ou saudável em relação à crença. Então a disputa sobre quem é racional e quem é irracional aqui não pode ser resolvida com considerações epistemológicas; não é uma disputa fundamentalmente epistemológica, mas sim ontológica ou teológica. Como podemos dizer o que é saudável para os seres humanos crerem a menos que saibamos ou tenhamos alguma idéia sobre que tipo de criatura nós somos? Se você acha que ele é criado por Deus à imagem de Deus, e criado com uma tendência natural de ver a mão de Deus no mundo ao nosso redor, uma tendência natural de reconhecer que ele foi criado e é observado pelo seu criador, devendo à Ele adoração e obediência, então é claro que você não vai ver a crença em Deus como manifestação de satisfação de desejo ou como algum tipo de defeito. É muito mais como memória ou percepção sensorial, embora de algumas formas muito mais importantes. Por outro lado, se você vê os seres humanos como produto de forças evolucionistas cegas, se você acha que não há Deus e que os seres humanos são parte de um universo sem divindade, então você estará propenso a aceitar a visão de acordo com a qual a crença em Deus é algum tipo de doença ou disfunção, devido talvez, à algum tipo de problema cerebral.

Então a disputa sobre quem é saudável e quem é doente tem raízes teológicas ou ontológicas, e deve ser estabelecida nesse nível. E aqui eu gostaria de apresentar uma consideração que, eu penso que favorece a forma teísta de encarar a questão. Como eu tenho falado, tanto teístas quanto ateístas falam de alguma forma de disfunção, de faculdades cognitivas ou equipamentos cognitivos que não funcionam apropriadamente, não funcionam como deveriam. Mas como deveríamos entender isso? O que é funcionar apropriadamente? Não é um tanto quanto problemática essa idéia de funcionamento apropriado? O que é para as faculdades cognitivas um funcionamento apropriado? O que é para um organismo natural - uma árvore, por exemplo - funcionamento apropriado? Funcionamento apropriado não é algo relativo aos nossos objetivos e interesses? Uma vaca está funcionando apropriadamente quando dá leite; um jardim está como deve estar quando apresenta uma preponderância exuberante do tipo de vegetação que nós nos propomos a desenvolver. Mas então parece evidente que o que constitui funcionamento apropriado depende de nossos objetivos e interesses. Até onde a natureza em si segue o seu curso, um peixe que se decompõe em uma montanha de salmoura não está funcionando tão apropriadamente, de maneira tão excelente, quanto um peixe que esteja nadando feliz ao redor caçando peixinhos? Mas então o que significa falar de “funcionamento apropriado” em relação às nossas faculdades cognitivas? Uma parte da realidade - um organismo, parte de um organismo, um ecossistema, um jardim - “funciona apropriadamente” somente em relação à algum tipo de regra que nós impomos sobre a natureza - uma regra que incorpora nossos objetivos e desejos.

Mas de um ponto de vista teísta, a idéia de funcionamento apropriado, aplicada à nós e ao nosso equipamento cognitivo, não é mais problemática do que, vamos dizer, a idéia do funcionamento apropriado de um Boeing 747. Algo que construímos - um sistema de aquecimento, uma corda, um acelerador linear - está funcionando apropriadamente quando está funcionando na maneira que foi projetado para funcionar. Meu carro funciona apropriadamente se funciona do jeito que foi projetado para funcionar. Meu refrigerador está funcionando apropriadamente quando refrigera, se faz o que um refrigerador foi projetado para fazer. Isso, eu penso, é a raiz da idéia de funcionamento apropriado. Mas de acordo com o teísmo, os seres humanos, como cordas e aceleradores lineares, foram projetados; eles foram criados e projetados por Deus. Assim, ele tem uma resposta fácil para um conjunto relevante de perguntas: O que é funcionamento apropriado? O que é para minhas faculdades cognitivas o funcionamento apropriado? O que é disfunção cognitiva? O que é funcionamento natural? Minhas faculdades cognitivas estão funcionando naturalmente, quando estão funcionando da maneira que Deus as projetou para funcionar.

Por outro lado, se o objetor evidencialista ateológico alega que o teísta sem evidência é irracional, e se ele constrói a irracionalidade em termos de defeito ou disfunção, então ele nos deve uma explicação dessa noção. Por que ele alega que o teísta é disfuncional, pelo menos nessa área da vida? Mais importante, como ele compreende a disfunção? Como ele vê a disfunção e seu oposto? Como ele explica a idéia do funcionamento apropriado de um organismo, ou de algum sistema orgânico ou parte de um organismo? Que explicação ele dá? Presumivelmente, ele não pode ver o funcionamento apropriado do meu equipamento noético como este foi projetado para funcionar; então como ele pode dizer que é disfuncional?

Duas possibilidades vêm à mente. Primeiro, ele pode estar pensando o funcionamento apropriado como funcionamento na maneira que nos ajuda a alcançar nossos fins. Dessa forma, ele pode dizer, nós pensamos que nossos corpos estão funcionando apropriadamente e sendo saudáveis quando eles funcionam de uma maneira tal que nos permita fazer o tipo de coisas que queremos fazer. Mas, é claro, isso não será muito promissor no contexto presente; pois apesar de o objetor ateológico preferir ver o funcionamento de nossas faculdades cognitivas de uma maneira que não produza a crença em Deus, o mesmo não pode ser dito, naturalmente, para o teísta. Encarada desta forma, a objeção ateológica do evidencialista não passa da sugestão de que o ateólogo preferiria que as pessoas não acreditassem em Deus sem evidências. Isso seria uma observação autobiográfica da parte dele, tendo o interesse que tais observações têm em contextos filosóficos. Uma segunda possibilidade: funcionamento apropriado e noções similares devem ser explicadas em termos de aptidão para promover sobrevivência, seja no nível individual ou de espécies. Não há tempo para dizer muito sobre isso aqui; mas é no mínimo e imediatamente evidente que o objetor ateológico nos deveria um argumento para a conclusão de que a crença em Deus é, de fato, menos adequada para contribuir à nossa sobrevivência individual, ou à sobrevivência de nossas espécies do que é o ateísmo ou agnosticismo. Mas como seria tal argumento? Certamente a expectativa de um argumento não-circular é, de fato, desanimadora. Pois se o teísmo - teísmo Cristão, por exemplo - é verdadeiro, então parece totalmente implausível pensar que a disseminação do ateísmo, por exemplo, seria mais adequada para promover a sobrevivência de nossa raça do que a disseminação do teísmo.

Para concluir: uma forma natural de compreender tais noções como racionalidade e irracionalidade é em termos de funcionamento apropriado do equipamento cognitivo relevante. Visto desta perspectiva, a questão de se é racional acreditar em Deus sem suporte evidencialista de outras proposições é uma disputa metafísica ou teológica. O teísta tem facilidade em explicar a noção de funcionamento apropriado de nosso equipamento cognitivo: nosso equipamento cognitivo funciona apropriadamente quando funciona da maneira que Deus projetou para funcionar. O objetor evidencialista ateísta, entretanto, nos deve uma explicação dessa noção. O que ele quer dizer quando reclama que o teísta sem evidência apresenta um defeito cognitivo de algum tipo? Como ele entende a noção de mal funcionamento cognitivo?


Alvin Plantinga é o filósofo cristão mais importante da atualidade. Nesse artigo, Plantinga combate a idéia de que o teísta que não tem sua crença apoiada sobre evidências seria, de alguma forma, irracional ou estaria violando seus deveres epistêmicos. Para Plantinga, tal objeção é infundada, podendo ser perfeitamente revertida contra o ateísmo.


NOTAS
[1]W.K. Clifford, “The Ethics of Belief,” in Lectures and Essays (London: Macmillan, 1879), p. 183.

[2]Ibid, p. 184.

[3]Ibid, p. 186.

[4]Sigmund Freud, The Future of an Illusion (New York: Norton, 1961), p. 30.

[5]K. Marx and F. Engels, Collected Works, vol. 3: Introduction to a Critique of the Hegelian Philosophy of Right, by Karl Marx (London: Lawrence & Wishart, 1975).

[6]John Calvin, Institutes of the Christian Religion, trans. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster Press, 1960), 1.3 (p. 43- 44).

Jesus Cristo é uma muleta?

Alguns céticos costumam criticar Jesus, afirmando que ele é evidentemente uma muleta. “Ele serve” — as pessoas dizem — “para os fracos, os mancos, que precisam de apoio para suportarem a dura realidade da existência. Mas para as pessoas fortes, determinadas, aquelas que podem tocar a vida por si mesmas, ele é totalmente desnecessário.”

Será que esta crítica é totalmente equivocada? Veja a resposta que John Stott oferece a tal objeção:

Começo a minha resposta concordando com a crítica. Jesus Cristo é de fato uma muleta para o aleijado, para ajudar-nos a caminhar aprumados, assim como ele é também remédio para os doentes espiritualmente, pão para os famintos e água para os sedentos. Não negamos essa afirmação; ela é perfeitamente verdadeira. Mas, então, todos os seres humanos são aleijados, doentes, famintos e sedentos. A única diferença entre nós, não é que alguns são necessitados e outros não; é que na verdade alguns reconhecem a sua necessidade, enquanto outros não, por causa do orgulho.

Stott apresenta uma resposta que volta-se contra o próprio crítico. Ao invés de ser uma objeção, a frase “Jesus é uma muleta” torna-se, na verdade, uma boa oportunidade para se falar acerca da importância e do amor de Cristo para a humanidade. O cristão não precisa ficar na defensiva ao ouvir tal frase. Com o argumento apresentado, ele pode “partir para o ataque”.


Nota
1. STOTT, John. Por que sou cristão.

Deus abençoe vocês!

Cair no Espírito nas Escrituras vs cair no "espírito" de algumas "igrejas"!!!


O Cair no Espírito na Bíblia.

Nas Sagradas Escrituras, o cair no Espírito não chega a ser um fenômeno; é mais uma reação reverente diante do sobrenatural. Registra-se apenas, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, 11 casos de pessoas que caíram prostradas, com o rosto em terra, em sinal de adoração a Deus. E tais casos não se constituem num histórico; são episódicos isolados. Não têm foro de doutrina, nem argumentos para se alicerçar um costume, nem para se reivindicar uma liturgia; não podem sacramentar alguma prática. Afinal, reação é reação; apesar de semelhantes, diferem entre si. Como hão de fundamentar dogmas de fé?

O "cair no espírito" vivido em algumas "igrejas", principalmente nas pentecostais, não tem nada a ver com o cair no Espírito bíblico. Muitas dessas "igrejas" seguem o modelo de um homem chamado Benny Him, um grande herege do nosso tempo. Se seguem o modelo de um homem sem questionamentos, devemos nós fazer o que os cristãos de Beréia faziam "examinando a cada dia as Escrituras se estas coisas eram assim." Atos 17:11.

Verifiquemos, pois, em que circunstâncias deram-se os diversos casos de cair por terra nos relatos bíblicos.

1. A força de uma visão nitidamente celestial


As visões, na Bíblia, tinham uma força impressionante. Agitavam, enfraqueciam e até deitavam por terra homens santos de Deus. Que o diga Daniel. Já encerrando o seu livro, o profeta registra esta formidável experiência: “Fiquei, pois, eu só e vi esta grande visão, e não ficou força em mim; e transmudou-se em mim a minha formosura em desmaio, e não retive força alguma. Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e ouvindo a voz das suas palavras, eu caí com o meu rosto em terra, profundamente adormecido” (Dn 10.8,9).

Em sua primeira visão, Ezequiel também se assusta com o que vê. Ele se apavora: “Este era o aspecto da semelhança da glória do Senhor; e, vendo isso, caí sobre o meu rosto” (Ez 1.28). Sem liturgia, ou intervenção humana, o profeta prostra-se todo. E quem não haveria de se prosternar? Mesmo o mais forte dos homens, não se agüentaria diante de tamanho poder e glória. Recurvar-se-ia; lançar-se-ia com o rosto em terra.

Mais tarde, encontraremos Ezequiel noutro caso de prostração: “E levantei-me e saí ao vale, e eis que a glória do Senhor estava ali, como a glória que vira junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto” (Ez 3.23). Quem não cairia ante as singularidades da glória de Deus? Quem a resistiria?

Já no final de seus arcanos, Ezequiel vê-se constrangido a comportar-se de igual maneira: “E o aspecto da visão que vi era como o da visão que eu tinha visto quando vim destruir a cidade; e eram as visões como a que vira junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto” (Ez 43.3).

Nesses casos, as visões divinas foram tão fortes que levaram tanto Ezequiel como Daniel a caírem (prostaram) por terra. Noutras ocasiões, porém, a ocorrência de visões, igualmente poderosas, não provocou alguma prostração. Haja vista o caso de Isaías. Embora se mostrasse aterrorizado e compungido com a visão do trono divino, não se menciona ter o profeta caído por terra. Isto significa que as experiências, embora semelhantes, possuem suas particularidades e idiossincrasias. Isto é: cada experiência, ou encontro com Deus, é única. Com todo o respeito seria tolice pretender repeti-las para que a sua repetição adquirisse foros de doutrina.

2. O impacto de um encontro com Deus

Além das visões, certos encontros com Deus, tanto no Antigo como no Novo Testamento, levaram à prostração. O caso de Saulo no caminho de Damasco. O encontro com Jesus foi tão formidável, que forçou o implacável perseguidor a cair por terra, e a reconhecer a autoridade e a soberania do Filho de Deus: “E caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9.4).

Como nos casos anteriores, nada havia sido programado. Saulo foi levado a recurvar-se em virtude da sublimidade do Senhor Jesus. Noutras ocasiões, porém, os encontros com Deus deram-se de maneira suave. O que também dizer do encontro de Gideão com o anjo do Senhor? Ou do encontro de Jeremias com Jeová? Este encontro veio na medida certa; veio de acordo com o caráter suave e melancólico do profeta. Mas tivesse Jeremias o temperamento colérico de Paulo, certamente o Senhor teria agido com impacto para que o vaso fosse quebrado e moldado conforme a sua vontade. Como se vê, as experiências variam de acordo com as circunstâncias e a personalidade das pessoas envolvidas no plano de Deus.



3. Diante da autoridade de Cristo

A autoridade do nome de Cristo é mais que suficiente para fazer com que todos os joelhos dobrem-se diante de si. Aliás, chegará o momento em que todos os seres, quer nos céus, quer na terra, quer sob a terra, hão de se curvar diante da infinita grandeza do nome do Senhor Jesus: “Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.9,10).

A noite da paixão. Nesse caso o Senhor demonstrou quão grande era a sua autoridade: “Quando, pois, (Jesus) lhes disse: Sou eu, recuaram e caíram por terra” (Jo 18.6). Ao contrário dos casos anteriores, nessa passagem quem cai por terra são os ímpios. Recurvam-se estes não em sinal de reverência a Deus, mas em razão da autoridade e soberania irresistíveis de Cristo.



Como os Legítimos Representantes de Deus Portaram-se Quando Alguém Caía por Terra?

Ao contrário dos que hoje portam-se como deuses diante de virtuais casos de prostração, os apóstolos de Cristo jamais aceitaram tal deferência. Em todas as instâncias, procuravam sempre glorificar ao nome do Senhor. Em casos semelhantes, até os mesmos anjos agiram com reconhecida e santa modéstia.

Tendo Pedro chegado à casa de Cornélio, a primeira reação deste foi cair de joelhos diante do apóstolo. “Mas Pedro o levantou, dizendo: Levanta-te, que também sou homem” (At 10.25,26). O que fariam os astros do evangelismo dos dias atuais? Humilhar-se-iam como o apóstolo? Ou usariam o evento para incrementar o seu marketing pessoal?

Mesmo um poderoso anjo não se aproveitou da ocasião para atrair a si as glórias devidas somente a Deus. O relato é de João: “Prostrei-me aos seus pés para o adorar. E disse-me: Olha, não faças tal, porque eu sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (Ap 22.8,9).

O anjo bem sabia que o apóstolo prostrara-se aos seus pés por uma circunstância bastante especifica: não há ser humano que não se extasie diante do sobrenatural. A aparição de um ente celestial sempre perturbou os pobres mortais. Nos dias dos juízes, acreditava-se que a visão de um anjo significava morte certa. Por isso, a primeira reação de uma pessoa ao ver um anjo era curvar-se diante do ser angelical. Quem poderia resistir a tanta glória?

Os anjos, porém, recusavam tal deferência. Houve ocasiões em que o anjo do Senhor aceitou elevadas honrarias. Como conciliar tais questões? No Antigo Testamento, sempre que isso ocorria, era devido a presença de um ser especial, que alguns teólogos não vacilam em apontar como a pré-encarnação de Cristo. De uma forma ou de outra, os anjos eram santos o suficiente para agirem com modéstia e humildade, tributando a Deus todo poder e toda a glória.

Que esta também seja a nossa postura! Quando, por alguma circunstância, alguém cair a nossos pés, levantemo-lo para que tribute a Deus, e somente a Deus, toda a honra e toda a glória. E jamais, sob hipótese alguma, induzamos alguém a prostrar-se com o rosto em terra, pois isto contraria a ética e a postura que o homem de Deus deve ter.


Conclusões

Daquilo que até agora vimos acerca do “cair no Espírito”, podemos tirar as seguintes conclusões, tendo sempre como base as Sagradas Escrituras:

1. Não se pode realçar a experiência, nem guindá-la a uma posição superior à da Palavra de Deus. A experiência é importante, mas varia de pessoa para pessoa; cada experiência é uma experiência; tem suas particularidades. A experiência tem de estar submissa à doutrina, e não há de modificar, por mais extraordinária que seja, nenhum artigo de fé.

2. Caso ocorra alguma prostração, deve-se fazer as seguintes perguntas: 1) Qual a sua procedência? 2) Teve como objetivo promover o homem ou glorificar a Deus? 3) Foi usada para catalisar a atenção dos presentes? 4) Foi provocada por sopros, toques ou por algum objeto lançado no auditório? 5) Houve sugestão coletiva? 6) Prejudicou a boa ordem e a decência da igreja? 7) Conta com o respaldo bíblico suficiente? 8) Tornou-se o centro do culto?

3. Devemos estar sempre atentos, pois o adversário também opera sinais espetaculares com o objetivo de enganar os escolhidos: “Surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se possível fora, enganariam até os escolhidos” (Mt 24.24).

4. Nos diversos exemplos de prostração que fomos buscar na Bíblia, observamos o seguinte: Os personagens que se prostraram, ou foram prostrados, em virtude de alguma experiência sobrenatural, caíram para frente, e não para trás, como está ocorrendo hoje em algumas igrejas. Não era algo programado, nem ministro algum induzira-os a cair. Ou seja: ninguém precisou soprar neles ou neles tocar para que caíssem. Tais modismos têm levado a irreverência e a bizarria ao seio do povo de Deus. Há alguns que se tornaram tão ousados que jogam até os seus paletós a fim de provocar prostrações coletivas. Isto é um absurdo! É antibíblico!

5. Os casos de prostração narrados na Bíblia deram-se em virtude da reverência e temor que os já citados personagens sentiram ao presenciar a glória divina. No Novo Testamento, o termo usado para prostração é “pesotes prosekinsan” que, no original, significa: cair por terra em sinal de devoção. Em Apocalipse 5.14, a expressão grega aparece para mostrar os anciãos prostrados aos pés do Cristo glorificado.

6. Voltemos à questão. Pode acontecer prostração numa reunião evangélica? Pode! Mas não tem de acontecer necessariamente; pode, mas não precisa acontecer, nem ser provocada. Caso aconteça, deve ser encarada como reação e não como fato doutrinário. John e Charles Wesley, por exemplo, experimentaram um poderoso avivamento, mas jamais elevaram suas experiências à categoria de doutrina. As heresias nascem quando se supervaloriza a experiência em detrimento da doutrina. Não podemos nos esquecer de que algumas das mais notáveis heresias deste século, como a Igreja Só Jesus, nasceu em pleno período de avivamento.

7. De uma certa forma, todo avivamento provoca extremismos. Cabe-nos, porém, buscar o equilíbrio tão necessário à Igreja de Cristo. Era o que ocorria em Corinto. Não resta dúvida de que os irmãos daquela comunidade cristã haviam recebido uma forte visitação dos céus. Todavia, tiveram de ser doutrinados e disciplinados. A esses irmãos, escreveu Paulo:“E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos” (1 Co 14.32,33).

Finalmente, jamais devemos abandonar a Bíblia. Ênfases, como o cair no Espírito, hão de surgir sempre. Não devemos nos impressionar com elas; tratemo-las com o devido equilíbrio. Pois o equilíbrio bíblico e teológico há de manter a igreja de Cristo em permanente avivamento. E o verdadeiro avivamento não extingue o Espírito, mas sabe como evitar os excessos.


Deus abençoe vocês!